


Silêncio e manifestações
A ideia inicial era elaborar um artigo avaliando o momento pós-apuração das urnas, onde por uma pequena diferença e um grande comparecimento as seções eleitorais, o Brasil escolheu seu novo presidente. Mas na política as coisas mudam como as nuvens, como já dizia Tancredo Neves. E então se tornou mais relevante analisar este momento que reúne o silêncio presidencial, os bloqueios de estradas e adoradores do presidente pedindo nas ruas a intervenção militar.
Tudo isso pode dar a entender que seja um momento ainda de ressaca pós-resultado e que tudo estará normalizado em breve. O silêncio do presidente Bolsonaro por mais de 45 horas e um breve discurso de pouco mais de 1 minuto e 45 segundos, onde não reconheceu a vitória do presidente eleito Lula, talvez seja a senha para o que estará por vir até o último dia de 2022.
E não há nada de novo nisso. Hoje, por exemplo, apoiadores do presidente estão reunidos em frente do Quartel General do Exército em Brasília pedindo anulação do resultado das urnas e manutenção de Jair Bolsonaro no poder. Foi neste mesmo cenário que em 19 de abril de 2020 o próprio presidente discursou atacando as instituições como o Congresso Nacional e o STF e defendendo essa mesma intervenção militar. E não foi a única ou a última.
A diferença é que em todos esses atos ele desmentia o que havia dito. Agora, tenta usar o silêncio para comandar a sua tropa ideológica e idólatra, que por conveniência e propósito, tentam expulsar a Democracia, da Constituição Federal.
Logicamente que o silêncio possa ser particular, mas sua voz e comando estão com a tropa de parlamentares que incentivam a insurgência de seus soldados via redes sociais, com a colaboração de instituições de Estado responsáveis pela manutenção da ordem e da segurança, que fazem operação padrão, diante dos acontecimentos.
Bolsonaro não conseguiu nem no voto e nem com o apoio de outros poderes, mudar o resultado do jogo. Nenhum político ou autoridade de expressão se escalou para esse jogo fora das quatro linhas. Os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado da República foram os primeiros a legitimar a vitória de Lula nas urnas, blindando o Congresso Nacional de ser palco de um ato totalmente antidemocrático. Na sequência, o Judiciário, por meio das cortes supremas e superiores e seus magistrados, concluíram o rito. Bolsonaro até tentou levar a mais alta corte para ouvir seu pronunciamento, mas todos os magistrados recusaram o convite. Restou a ele fazer o trajeto inverso, onde ganhou de presente dos ministros do STF, um exemplar da Constituição Federal.
Jair Bolsonaro está isolado e entrincheirando no Palácio do Alvorada. Pois até no Palácio do Planalto, membros do primeiro escalão como ministro-chefe da casa-civil, Ciro Nogueira, tratam de reconhecer e estabelecer um governo de transição com o futuro ocupante do Executivo. Na Esplanada dos Ministério nada mais atual que a expressão “café frio e água quente”, para retratar esse momento de saída de Bolsonaro da Presidência da República.
Nem distante de Brasília, nas unidades da federação onde teve bom desempenho, está conseguindo apoio para o seu projeto. Governadores eleitos com o seu apoio no primeiro e segundo turno já referendaram a lisura do processo eleitoral e procuram estabelecer pontes institucionais com o futuro presidente. Afinal, os problemas domésticos que cada um vai enfrentar são maiores do que encampar uma bravata fora do texto constitucional.
Se institucionalmente os caminhos estão fechados, a saída encontrada pelo presidente tem sido a parcela da população que em seu nome estão dispostos a qualquer aventura, mesmo que isso envolva a transgressão e o crime. É bem possível que esse quadro de interdições de rodovias e de desordem pública, que assistimos hoje seja, somente um exemplo para o que está por vir. O presidente pode não só continuar calado, mas também inoperante diante da sua responsabilidade de controlar essa parcela inconformada. Tanto pela palavra, quando pelo rigor da lei. Pode estar em curso uma estratégia de tentar fadigar e romper a democracia brasileira pela exaustão e pelo transtorno causado a outra parte da população com as questões de desabastecimento, aumento de preços e orfandade do poder do Estado. O resultado disso pode ser imprevisível, mas de certo, não será nada bom para o país.
Alexandre Bandeira é Master Consultor do Grupo Brasília de Consultoria Política, Diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos e professor-coordenador de pós-graduação em Análise e Marketing Político da Faculdade Republicana. É articulista e analista político para instituições, corporações e organismos de imprensa nacionais e internacionais.