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A festa de momo chegou ao fim. Pelo menos na maioria das cidades brasileiras. A festança é comumente associada ao divisor entre diversão e trabalho, onde tudo no Brasil só começa a funcionar depois do carnaval, aliás ao meio-dia da Quarta-Feira de Cinzas. O único dia do ano em que mistura meio período de folga, como meio período de trabalho.

Outro raciocínio comumente associado a data é que o “Carnaval é o Ópio do Povo”, onde a população brasileira anestesiada, se esquece se de seus problemas para cair na folia. Pode até ser que o brasileiro deixe em suspensão seus boletos, e outras obrigações para sair na avenida, mas não deixa de levar consigo o seu protesto.

Neste quesito, há muito tempo a política é ingrediente da folia. Já não é deste carnaval que brasileiros estampam sua indignação através das fantasias e das músicas que embalam os blocos. Começou na irreverência individual de foliões nas ruas e cada vez mais invade as grandes avenidas que servem de vitrine para mostrar o maior carnaval do mundo para o mundo.

De Fernando Henrique para cá, todos os presidentes já viraram máscara e fantasia de carnaval. Antes dele, o então presidente Itamar Franco, em 1994, concentrou todas as atenções dessa ebulição que une política e carnaval, quando a sua companhia, a modelo Lilian Ramos, foi fotografada com ele em um dos camarotes da Marquês de Sapucaí, sem calcinha. Uma imagem que rendeu muitas críticas, discursos e até pedidos de impeachment.

E é justamente nos sambódromos da Marques de Sapucaí e do Anhembi, que uma parte importante dessa transformação está acontecendo. Os problemas gerados pela má gestão pública sempre foram assuntos de enredo. Falar sobre miséria, fome, educação, violência sempre foi hábito nos desfiles das escolas. De uns anos para cá, a crítica tem sido mais direta em associar tais mazelas aos seus responsáveis.

Quem não se lembra da fantasia do vampiro inspirado no então presidente Michel Temer, na escola de samba carioca Paraíso do Tuiuti, em 2018? A mesma escola que este ano fantasiou uma ala inteira com foliões vestidos de coxinha fazendo o gesto simbolo da arma de Bolsonaro; e que também trouxe o personagem do Bode Ioiô, eleito vereador em Fortaleza – enredo da escola – com a faixa presidencial? Já a Beija-Flor, que completou neste ano 70 carnavais, contou em seu enredo “Os filhos abandonados da pátria que os pariu” uma sequência de referências a política e corrupção, inclusive com um dos carros alegóricos mostrando o Senado da República infestada por ratos.

A Mangueira se sagrou vencedora cantando na avenida, um enredo que se propunha a contar uma nova história do país recheado de mensagens engajadas, como por exemplo, a ala em alusão a vereadora morta Marielle Franco, assassinada há mais de um ano, em um crime ainda sem desfecho. A vereadora também foi lembrada no desfile da escola paulistana Vai-Vai.

Assim, a cada carnaval, a população vai elegendo e renovando suas alegorias e mandando seus recados aos governantes. Seja na avenida ou nos blocos a criatividade e a crítica do brasileiro é exposta. E assim surgem diversos personagens em uma infindável lista que já teve o Japonês da Federal, o Lula Presidiário; Dilma Bolada, Gilmar Mendes Activia; o Fora Temer e até o presidente norte-americano Donald Trump.

Este ano não foi diferente e o presidente recém-eleito, Jair Bolsonaro acabou como alvo natural de muitas críticas animadas, com gente se fantasiando de Laranjal, Reforma da Previdência, Bloco do Queiroz, Meninos de Azul e Meninas de Rosa, entre outras. Inclusive o seu boneco gigante que desfilou pelas ladeiras de Olinda foi vaiado e serviu de alvo para latas e garrafas. Críticas que o presidente talvez não tenha aceitado bem, ao publicar na sua conta do Twitter um vídeo com cenas obscenas, associando o carnaval à plena libertinagem. O que gerou mais críticas ao presidente, nos últimos dias.

De fato, uma luta inglória, que o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, já vive há dois carnavais. Contrário à festividade, por conta do seu alinhamento religioso, é alvo de críticas tanto nas ruas e nos blocos, como na maior avenida do carnaval brasileiro. Já foi época em que presidentes e políticos, frequentavam a Sapucaí para testar sua popularidade junto à população. Hoje, apensas alimentam o imaginário da população e dos carnavalescos.

Alexandre Bandeira é Master Consultor e diretor executivo da Strattegia Consultoria Política e diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos – Regional DF (ABCOP). É articulista e analista político para instituições, corporações e organismos de imprensa nacionais e internacionais.